LIZ OLIVEIRA É DOCENTES DO CURSO QUE ESTÁ PROMOVENDO UMA REVOLUÇÃO NA VIDA DE QUEM DEPENDE DA AGRICULTURA FAMILIAR
A professora Liz Oliveira dos Santos é a terceira entrevistada da coluna “Protagonistas da Química” criada pelo CRQ 7 como uma forma de apresentar um pouco do trabalho de profissionais que se destacam em suas atuações no nosso estado.
Com um vasto currículo, ela possui bacharelado em Química pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), é mestre em Química pela mesma instituição e doutora nessa área pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Atualmente é gestora de Pesquisa do Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Sustentabilidade da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (CETENS/UFRB) e professora do Curso Superior de Tecnologia em Alimentos da Educação do Campo da UFRB.
É esse curso que vem promovendo uma verdadeira transformação na vida de pessoas que dependem da agricultura familiar em áreas rurais.
Além de orientar os participantes sobre temas como autogestão, economia solidária e sustentabilidade, o projeto tem ajudado, por exemplo, a ampliar o protagonismo feminino. Vale destacar que, na Bahia, cerca de 35% dos estabelecimentos de agricultura familiar são chefiados por mulheres, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Antes vistas apenas como produtoras que sustentavam suas famílias, muitas mulheres hoje assumem a liderança de grupos, cooperativas, espaços de comercialização. Isso significa que deixaram de ser apenas trabalhadoras invisibilizadas na cozinha para se tornarem referências e lideranças em seus territórios”, destaca a professora Liz.
A professora informa que as inscrições para quem deseja cursar Educação do Campo estão abertas até dia 25 de setembro.
Mais informações podem ser obtidas no endereço: www.ufrb.edu.br.
Leia a entrevista completa no site do CRQ 7: www.crq7.gov.br.
Entrevista
Como você avalia o atual cenário da agroindústria ligada à agricultura familiar no interior da Bahia?
O cenário atual é de fortalecimento e oportunidades. Tradicionalmente, os agricultores familiares estavam adaptados apenas ao cultivo de plantas e à produção agrícola in natura. Com o tempo, passaram a investir no beneficiamento dos alimentos, como a produção de farinhas, polpas, queijos e chocolates artesanais. Hoje, avançam para a gestão e o controle de qualidade dos produtos, incorporando técnicas modernas que permitem garantir rastreabilidade, segurança alimentar e nutricional. Esse processo tem reduzido a dependência dos atravessadores, permitindo maior autonomia na comercialização, ampliando a geração de renda no campo e fortalecendo a oferta de alimentos saudáveis. Esse movimento dialoga com diretrizes globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS 2 – Fome Zero e ODS 12 – Produção e Consumo Sustentáveis), e tem sido potencializado por programas estaduais e federais, como o Bahia Produtiva e o Bahia que Produz e Alimenta, aliados a editais de pesquisa e inovação como o Ciência na Mesa (FAPESB), que aproximam universidades baianas, como a UFRB, das agroindústrias familiares.
Quais são os principais produtos e cadeias produtivas que se destacam na agricultura familiar baiana?
A agricultura familiar baiana é uma das mais diversas do Brasil, representando mais de 77% dos estabelecimentos rurais do estado segundo o Censo Agropecuário (IBGE, 2017). Entre as cadeias mais relevantes destacam-se: mandiocultura para produção de farinha, fécula e derivados, fruticultura com frutas frescas, polpas, sucos e doces, cacau e chocolate artesanal e muito mais. Essa diversidade não apenas garante a subsistência, mas também gera excedentes comercializados em feiras, mercados locais, programas institucionais como PNAE e PAA. Além de conquistarem os mercados convencionais. A produção de azeite e derivados de licuri, por exemplo, alia saberes tradicionais e tecnologia moderna, sendo exemplo de inovação com identidade territorial.
De que forma a agroindústria tem contribuído para agregar valor aos produtos da agricultura familiar nessas regiões?
A agroindústria permite transformar matérias-primas in natura em produtos com maior valor agregado, maior vida útil e qualidade padronizada. Isso possibilita inserção em nichos como alimentos funcionais, orgânicos e produtos da sociobiodiversidade. As certificações e Indicações Geográficas (como o cacau do sul da Bahia e o mel do semiárido) também têm fortalecido a identidade territorial. Nesse processo, a atuação de profissionais da Química e de Tecnologia em Alimentos, sob regulação do CRQ, é essencial para garantir segurança alimentar e nutricional, qualificação de processos e competitividade das agroindústrias familiares.
Quais são os maiores desafios enfrentados pelos agricultores familiares para estruturarem ou manterem suas agroindústrias?
Os desafios envolvem acesso ao crédito, adequações sanitárias, gestão administrativa, logística de distribuição, escoamento da produção e controle de qualidade. Soma-se a isso a necessidade de um modelo de gestão que atenda ao modo de vida dos agricultores familiares, conciliando saberes tradicionais e inovação. Nesse sentido, o Curso de Especialização em Gestão de Agroindústrias da Agricultura Familiar da UFRB tem desenvolvido propostas formativas que unem autogestão, economia solidária, sustentabilidade e uso de ferramentas participativas. Garantindo os princípios da Educação do Campo e da Agroecologia. Essa abordagem fortalece a governança coletiva e prepara os grupos produtivos para estruturar agroindústrias mais robustas, alinhadas à realidade dos territórios.
Como as tecnologias e inovações estão sendo incorporadas nas agroindústrias de pequeno porte no interior do estado?
De forma gradual, em parceria com projetos fomentados pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional, Ministério do Desenvolvimento Agrário, universidades e instituições de pesquisa, incorporando equipamentos de processamento reduzindo o trabalho braçal, técnicas de conservação de alimentos e controle microbiológico, embalagens adequadas e sustentáveis, desenvolvimento de novos produtos, ferramentas digitais para gestão da produção, rastreabilidade e comercialização. Além da presença de profissionais locais qualificados para assegurar que essas inovações estejam alinhadas às legislações, à realidade do campo e garantam alimentos seguros e nutritivos.
Quais estratégias têm sido mais eficazes para ampliar a comercialização e alcançar novos mercados?
Participação em feiras agroecológicas e gastronômicas, circuitos curtos de comercialização, estímulo ao fortalecimento de cooperativas e associações, inserção em políticas públicas de compras institucionais (PNAE e PAA), uso de plataformas digitais e redes sociais, desenvolvimento de marcas coletivas, fortalecendo a identidade territorial.
Qual é o papel das políticas públicas e do apoio de instituições para fortalecer a agroindústria familiar?
Essas políticas são decisivas ao garantir financiamento, assistência técnica e acesso a mercados. No estado da Bahia, programas de fomento e inovação têm permitido a qualificação técnica, o investimento em infraestrutura e a aproximação universidade–comunidade. A nível nacional, os programas Mais Gestão, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) são referências mundiais, reconhecidas pela FAO, como políticas que unem combate à fome e incentivo à agricultura familiar.
De que maneira os projetos voltados para a agroindústria da agricultura familiar podem contribuir com a sustentabilidade?
Esses projetos favorecem práticas de baixo impacto ambiental, uso racional de recursos locais e valorização da sociobiodiversidade. Além disso, contribuem para a permanência dos jovens no campo, pois criam perspectivas de renda digna e qualificada ligadas ao território. Há também incentivo ao aproveitamento de resíduos agroindustriais (como biofertilizantes, biocarvão e bioinsumos), que fortalecem a economia circular e reduzem desperdícios.
Como os projetos voltados para a agroindústria da agricultura familiar têm modificado a vida das mulheres que são chefes de família nas zonas rurais?
Esses projetos têm ampliado o protagonismo feminino. Antes vistas apenas como produtoras que sustentavam suas famílias, muitas mulheres hoje assumem a liderança de grupos, cooperativas, espaços de comercialização. Isso significa que deixaram de ser apenas trabalhadoras invisibilizadas na cozinha para se tornarem referências e lideranças reconhecidas em seus territórios. Na Bahia, cerca de 35% dos estabelecimentos de agricultura familiar são chefiados por mulheres (IBGE, 2017), e sua atuação tem sido fundamental para a transformação social, econômica e cultural das comunidades rurais. Esse protagonismo feminino contribui para combater desigualdades de gênero, gerar reconhecimento social e consolidar a agricultura familiar como espaço de inclusão e empoderamento.