CIÊNCIA QUE TRANSFORMA: A TRAJETÓRIA DA PROFESSORA SULENE ALVES DE ARAÚJO NA PROMOÇÃO DA QUÍMICA VERDE

A professora Sulene Alves de Araújo é hoje uma das principais referências em Química Verde na Bahia, atuando com firmeza na defesa de uma ciência ambientalmente responsável — um tema que ganha ainda mais destaque em razão da realização da COP 30, em Belém do Pará, momento em que o mundo volta seus olhos para a sustentabilidade e para o papel da ciência na proteção do meio ambiente.

Graduada em Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e docente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), ela construiu uma trajetória marcada pela excelência acadêmica, pela gestão universitária e pelo compromisso com a formação de novas gerações de profissionais.

Coordenou também diferentes cursos e programas, como o Mestrado Profissional em Química em Rede Nacional (PROFQUI), atuando de forma decisiva no fortalecimento do ensino e da pesquisa na região.

Sua aproximação com a Química Verde surgiu de maneira orgânica, a partir da experiência em Química Analítica. Desde cedo, compreendeu que métodos e processos laboratoriais impactam o meio ambiente e que cabe à ciência buscar alternativas mais limpas, eficientes e seguras.

Essa visão evoluiu para uma prática consistente: desenvolvimento de metodologias sustentáveis, orientação de pesquisas comprometidas com a redução de resíduos e a promoção de uma postura científica ética e ambientalmente consciente.

A Química Verde, como defende Sulene, vai além de um conjunto de princípios — é uma forma de pensar e agir. Seu foco está em evitar danos em vez de repará-los, propondo soluções que reduzam o uso de substâncias perigosas, economizem energia e promovam inovação responsável.

No contexto da COP 30, essa abordagem torna-se ainda mais estratégica. Ao discutir processos químicos mais sustentáveis, reforça-se que o Brasil pode liderar iniciativas que conciliem desenvolvimento, proteção ambiental e justiça climática. A atuação de pesquisadoras como Sulene é essencial para demonstrar que o futuro depende de uma ciência que transforma sem destruir — e que a Química Verde é um dos caminhos mais sólidos para isso.

A professora Sulene é o destaque da coluna “Protagonistas da Química” do mês de novembro.

Acompanhe a entrevista a seguir:

1. Por que optou pela Química? Houve alguma inspiração específica?

 

Desde os meus primeiros anos na antiga Escola Técnica — hoje Instituto Federal — a Química deixou de ser apenas uma disciplina e passou a se tornar um universo inteiro de descobertas. Sempre fui movida pela curiosidade pelas ciências, mas foi o ambiente vibrante dos laboratórios, a convivência com professores que transmitiam verdadeira paixão pelo conhecimento e a possibilidade de investigar os mistérios invisíveis da matéria que despertaram algo maior em mim. A Química me encantou por unir explicação e transformação: entender como o mundo funciona em nível molecular e, ao mesmo tempo, ter o poder de criar soluções reais — da indústria às tecnologias sustentáveis que moldam o nosso futuro. Foi ali que percebi que a pesquisa química não era apenas um caminho profissional, mas uma vocação.

 

2. Ingressar na docência já fazia parte dos seus planos? Como ocorreu essa escolha?

 

A docência não surgiu como um plano traçado, mas como uma descoberta surpreendente ao longo do meu caminho. Iniciei minha trajetória na indústria acreditando que aquele seria meu destino profissional definitivo. Porém, ao retornar à universidade para o mestrado — e mais tarde para o doutorado — vivi uma transformação profunda. O ambiente acadêmico, cheio de perguntas instigantes, ideias em efervescência e pessoas movidas pela paixão de aprender e ensinar, abriu em mim uma porta que eu ainda não sabia existir.

Foi nesse espaço de troca e encantamento que percebi o quanto a sala de aula pode ser revolucionária: um lugar onde conhecimento se constrói, horizontes se ampliam e vidas ganham novos rumos. Entre experiências, desafios e descobertas, encontrei minha verdadeira vocação. Hoje, compreendo que a docência não foi um acaso, mas um chamado — uma forma de unir minha curiosidade, meu desejo de compartilhar e minha vontade sincera de contribuir para a formação e o crescimento de outras pessoas.

 

3. Como se deu sua atuação com Química Verde na universidade?

 

Minha atuação com Química Verde surgiu de maneira natural ao longo da minha experiência em Química Analítica. Sempre compreendi que todo método analítico, processo ou técnica possui impactos potenciais no meio ambiente. Essa consciência motivou-me a buscar alternativas mais limpas, eficientes e responsáveis dentro da prática laboratorial. Aos poucos, percebi que a Química Verde não se resumiria a um conjunto de princípios, mas constituía uma verdadeira postura científica: pensar em soluções que minimizem resíduos, otimizem o uso de energia e tornem a pesquisa mais sustentável, sem comprometer o rigor analítico. Assim, passei a integrar esses conceitos em atividades acadêmicas, na orientação de projetos, no desenvolvimento de metodologias mais seguras e na formação de estudantes comprometidos com o papel transformador da ciência. Para mim, trabalhar com Química Verde significa unir conhecimento e responsabilidade, contribuindo para a formação de profissionais capazes de inovar com consciência ambiental.

 

4. De forma geral, como você definiria a Química Verde e por que ela é essencial para o desenvolvimento sustentável?

 

A Química Verde pode ser definida como uma abordagem científica orientada pela responsabilidade ambiental. Seu objetivo é desenvolver processos e produtos que reduzam, tanto quanto possível, o uso de substâncias perigosas, o desperdício de materiais e os impactos ambientais associados às atividades químicas. Em vez de remediar danos após sua ocorrência, a Química Verde busca evitá-los desde o planejamento.

Ela é essencial para o desenvolvimento sustentável porque integra inovação científica e proteção ambiental. Ao propor rotas químicas menos poluentes, otimizar o uso de recursos e incentivar modelos de produção mais conscientes, a Química Verde demonstra que é possível avançar tecnologicamente sem comprometer o equilíbrio do planeta. Em síntese, ela viabiliza um futuro em que progresso e sustentabilidade caminham de forma integrada.

 

5. A COP 30, sediada no Brasil, destaca ainda mais a agenda ambiental. Qual a importância de discutirmos a Química Verde enquanto o país e a Amazônia tornam-se foco mundial?

 

A realização da COP 30 no Brasil, com especial atenção para a Amazônia, torna ainda mais urgente a discussão sobre a Química Verde. Em um momento em que o país é observado como referência ambiental, é fundamental demonstrar que estamos comprometidos com uma ciência voltada à proteção e à regeneração dos recursos naturais.

Discutir Química Verde nesse contexto significa afirmar que inovação e preservação podem caminhar juntas. Trata-se de destacar que é possível desenvolver tecnologias e processos que respeitem a natureza, reduzam impactos ambientais e contribuam para um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável. Diante de um bioma que simboliza simultaneamente o potencial e a fragilidade do planeta, a Química Verde apresenta-se como uma resposta concreta — ciência orientada ao cuidado, à transformação e à construção de caminhos reais para um futuro mais equilibrado.

 

6. Como avalia a contribuição das universidades brasileiras para o avanço da Química Verde e a formação de profissionais preparados para atuar nessa área?

 

As universidades brasileiras desempenham papel central no avanço da Química Verde, pois constituem espaços onde ideias inovadoras são concebidas, testadas e convertidas em soluções aplicáveis. Nelas, pesquisadores desenvolvem rotas mais limpas, metodologias sustentáveis e tecnologias capazes de reduzir impactos ambientais sem comprometer a eficiência. Além disso, as instituições de ensino superior exercem uma função igualmente estratégica na formação de profissionais críticos, éticos e comprometidos com a sustentabilidade. Ao incorporar os princípios da Química Verde em disciplinas, laboratórios e projetos de extensão, as universidades evidenciam que a ciência não é apenas um conjunto de técnicas, mas uma responsabilidade social e ambiental. Assim, contribuem de maneira decisiva para preparar profissionais aptos a atuar em diversos setores — indústria, pesquisa, educação — com uma perspectiva mais consciente e transformadora. Dessa forma, não apenas produzem conhecimento, mas também inspiram uma nova geração de químicos alinhados aos desafios contemporâneos do desenvolvimento sustentável.

 

7. De que forma a Química Verde pode impulsionar o desenvolvimento sustentável no interior da Bahia, especialmente em regiões com forte vocação agrícola e industrial?

 

A interiorização da ciência possibilita que o conhecimento acadêmico chegue a lugares onde pode gerar impactos diretos, e a Química Verde se insere de forma estratégica nesse movimento. Em regiões do interior da Bahia com forte vocação agrícola e industrial, ela pode potencializar o desenvolvimento sustentável por diferentes vias.

Primeiramente, contribui para otimizar processos produtivos, tornando-os mais eficientes e menos poluentes, ao reduzir o uso de reagentes tóxicos, economizar água e energia e diminuir a geração de resíduos. Além disso, incentiva um aproveitamento mais inteligente dos recursos regionais. O estado da Bahia dispõe de grande diversidade de biomassa, resíduos agroindustriais e recursos energéticos, que podem ser convertidos — com base na Química Verde — em produtos de maior valor agregado, como biofertilizantes, novos materiais e insumos sustentáveis. Por fim, a proximidade entre ciência, setor produtivo e comunidade estimula capacitação, inovação e fortalecimento da economia local, criando soluções ajustadas às necessidades da região. Assim, a Química Verde contribui não apenas para reduzir impactos ambientais, mas também para transformar potencial em desenvolvimento, conectando ciência, sustentabilidade e crescimento socioeconômico.

 

8. Quais são atualmente os principais obstáculos para a implementação de processos e tecnologias baseados em Química Verde nas indústrias baianas e brasileiras?

A implementação de tecnologias e processos alinhados à Química Verde enfrenta obstáculos estruturais no cenário industrial brasileiro e baiano, entre os quais se destacam:

  • Custos iniciais elevados: Tecnologias mais limpas geralmente requerem modernização de equipamentos ou aquisição de insumos específicos. Embora tragam benefícios no longo prazo, o investimento inicial ainda é um desafio, sobretudo para empresas de pequeno e médio porte.
  • Carência de conhecimento técnico e capacitação: A adoção da Química Verde exige profissionais qualificados para projetar e monitorar processos sustentáveis. A escassez de mão de obra especializada e de atualização técnica nas indústrias dificulta essa transição.
  • Infraestrutura científica desigual: A distribuição dos centros de pesquisa no Brasil é concentrada nas grandes regiões urbanas, o que limita o acesso de muitas indústrias do interior a suporte técnico e serviços laboratoriais avançados.
  • Cultura industrial ainda pouco orientada para a prevenção: Muitos setores ainda operam sob a lógica de tratar impactos posteriormente, em vez de preveni-los desde o início.
  • Fragilidade de políticas públicas e incentivos econômicos: Embora existam normas ambientais, ainda faltam mecanismos robustos de incentivo, como linhas de crédito específicas e benefícios fiscais que apoiem a adoção de práticas mais sustentáveis.
  • Acesso limitado a tecnologias: Parte das tecnologias verdes ainda é importada e possui custos elevados, dificultando a adoção por empresas nacionais. A produção e o desenvolvimento tecnológico internos precisam avançar para ampliar o acesso.

Esses desafios evidenciam que a transição para a Química Verde demanda investimento contínuo, capacitação profissional, políticas públicas eficazes e uma mudança cultural que reconheça a sustentabilidade como eixo estratégico da atividade industrial.

 

9. Poderia citar exemplos recentes de práticas, produtos ou tecnologias alinhadas à Química Verde que já estão sendo aplicadas com sucesso na Bahia e no Brasil?

A Bahia e o Brasil têm avançado de forma significativa na aplicação prática dos princípios da Química Verde, demonstrando que inovação e sustentabilidade podem caminhar lado a lado.

  • Química renovável e biorrefinarias

O país desponta como referência internacional na chamada “química renovável”, um dos pilares da Química Verde. Nesse campo, biomassa proveniente de fontes como cana-de-açúcar, resíduos agrícolas e óleos vegetais é convertida em moléculas de alto valor industrial. Empresas brasileiras já incorporam processos inteiramente baseados em matérias-primas renováveis, reduzindo a dependência de derivados fósseis e abrindo caminho para cadeias produtivas mais limpas e circulares.

  • Desenvolvimento de bioplásticos sustentáveis

Pesquisadores nacionais têm se destacado na criação de bioplásticos biodegradáveis formulados com pigmentos naturais obtidos por meio de solventes verdes. Esses novos materiais não apenas diminuem o impacto ambiental, como também apresentam propriedades funcionais — antioxidantes, antimicrobianas e até indicativas de deterioração — possibilitando a produção de embalagens inteligentes e sustentáveis.

  • Processos catalíticos aplicados à indústria do petróleo (Minha Linha de Pesquisa)

Uma frente bastante promissora envolve o uso de catalisadores e materiais mesoporosos para a degradação de polímeros e contaminantes orgânicos presentes nos resíduos das indústrias petroquímicas e das biorrefinarias. Entre esses materiais, o MCM-41 tem recebido destaque especial. Sua estrutura altamente organizada, com poros regulares e grande área superficial, oferece condições ideais para adsorver, remover ou mesmo degradar compostos orgânicos pesados. Ajustes cuidadosos na sua síntese — como o emprego de direcionadores estruturais e condições controladas de calcinação — permitem otimizar sua porosidade e tornar o processo mais seletivo, energético e ambientalmente eficiente.

Essa linha de pesquisa não apenas eleva o desempenho catalítico e adsorptivo do MCM-41, como também contribui para soluções mais limpas e eficazes no tratamento de resíduos petroquímicos. Trata-se de um exemplo concreto de como a Química Verde pode transformar desafios ambientais em oportunidades tecnológicas, impulsionando práticas industriais mais responsáveis e sustentáveis no Brasil.